Sinto falta dele correndo pela casa, brincando com o papel higiênico debaixo da porta, com a baratinha de plástico. Pulando nas minhas costas de surpresa e ronronando quando eu chegava do trabalho. Sinto falta de ficar observando aquele sono leve, cheio de sonhos felinos e encanto.
Ainda posso ouvir o ruído das patinhas no silêncio da madrugada, o andar macio como que se pisando em nuvens. O miado de criança e o barulho da placa de isopor sendo arranhada. Não há nada que pague nem apague da memória aquela carinha tomando sol e cheirando o vento. Nem a maneira com que brincava com os fios do fone de ouvido e do meu cabelo. À noite, à luz do aquecedor, eu me derretia com o olhar amoroso brilhando no escuro.
Lembro bem de quando ele chegou, numa quarta-feira chuvosa do dia 11 de dezembro (exatamente como hoje. A vida e suas reincidências), na caixinha de papelão - aprendendo com certa dificuldade a andar sobre o tapete macio. Éramos duas crianças e crescemos juntos, na mesma proporção que o amor. Quando acabavam as aulas, eu espalhava pelo chão todas as provas e folhas de matérias acumuladas durante o ano e ele corria e se jogava comigo em cima dos papéis, na maior farra.
Da vida difícil que levava na rua, cheia de fome e doença, bebendo água da chuva e revirando o lixo, ele ganhou uma família enorme e um espaço maior ainda no meu coração.
Como não amar um ser que tem medo de bolha de sabão?
Quase 17 anos se passaram e em maio desse ano ele partiu, deixando uma saudade do tamanho do universo. Como é que uma criatura tão pequena pode deixar um vazio tão grande? Acho injusto que animais domésticos como cães e gatos vivam menos, mas acredito que esse pouco tempo de vida seja suficiente para que consigam assimilar o amor, enquanto nós, humanos, levamos o dobro ou o triplo de tempo para isso.
Tico querido, você me deixou um legado de amor que muitas pessoas não conseguem transmitir. E é difícil voltar a encarar o mundo sabendo que não encontrarei em nenhum outro lugar a pureza e bondade que existiam em você. Seja em vida, sonho ou pensamento, te amo.
E como diria Caetano,
"Cada sonho teu me abraça ao acordar
Como um anjo lindo
Mais leve que o ar, tão doce de olhar
Como um anjo lindo
Mais leve que o ar, tão doce de olhar
Que nem um adeus pode apagar"
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