segunda-feira, 16 de maio de 2011

Acaso

- Posso te fazer uma pergunta?

- Pode

- Você ama as coisas que tem, ou tenta entender as coisas que tem?

- Por que tá me perguntando isso?

- Responde!

- Bom, eu tento entender né, mas nem sempre consigo.

- Você tá errada.

- Hã?

- Tá errada! Por que acha que não consegue entender?

- Não sei, ué.

- Veja eu: amo as coisas que tenho, sem me questionar o porquê delas ocorrerem, nem tentar entendê-las. Entender eu deixo para os iludidos.

- (...)

- Eu sei que a gente não vai se ver mais, nunca mais, a não ser que a gente se encontre novamente por acaso, sem querer, como aconteceu hoje. Tchau.


(Ele sempre teve a mania de aparecer do nada e dizer tudo, respondendo em voz alta as perguntas que meus pensamentos faziam em silêncio. Melhor nem tentar entender.)


(imagem retirada do Google)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sobre o tapete voador

As luzes coloridas giravam, giravam, giravam vagarosamente na noite. Mas ela, parada lá embaixo, olhava sem muito interesse. Já havia ido lá. A roda gigante não exercia mais tanta atração. Nem o trem-fantasma, onde momentos antes o primo medroso gritara assim que surgiu a aranha de plástico na escuridão. Ela queria novas sensações, mais perigosas, sem se dar conta de que o maior perigo era não ter medo.

Com seis anos de idade já enxergava o extraordinário em coisas comuns e por isso, dentre tantos brinquedos mecanizados e modernos, interessou-se justamente por aquele que estava parado. Era uma montanha enorme, cheia de ondulações compostas por escorregadores listrados em cores vivas e diversas. Um arco-íris na noite. Sobre ele, pessoas deslizavam sentadas em um tapete. O fascínio foi tanto que ela, quando percebeu, já estava no topo do tobogã, ignorando os avisos da mãe para tomar cuidado.

Afobadamente sentou-se sobre o tapete marrom e pediu para o primo empurrar. Mas ele deve ter entendido algo como “arremessar”, e prontamente aplicou nas costas da menina um impulso de canhão. Em vez de escorregar, ela foi lançada ao ar como Aladim sobre o tapete voador. Pegou tanta velocidade que logo se viu sem o acessório mágico, que escapou debaixo dela e voou em outra direção.

As cores do arco-íris mesclaram-se num giro louco, de ponta-cabeça e invertidas, sumindo a reaparecendo, uma aquarela sem sentido nem controle misturando-se ao céu noturno que ora ficava em cima, ora embaixo, o vento fresco acariciando seu rosto e logo em seguida tacos de madeira batendo nele com força. As luzes do parque giravam sem controle e pequenos gritos ecoavam no ar. Foi tudo o que viu e sentiu enquanto caía sobre o tobogã e chocava-se sucessivamente com suas ondulações decrescentes.

Chegou ao final do arco-íris deitada, escorregando com a cara no chão até parar. Foi recepcionada por rostos desesperados e nenhum pote de ouro. Ouro mesmo eram os conselhos da mãe, que ela nunca ouvia.

(imagem retirada do Google)
 
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