sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Realidade turva

Ela parou em frente à porta de vidro e tentou abrir. Nada. Empurrou com mais força e descobriu que estava trancada. Olhou as pessoas lá dentro - como tinham entrado?  - comendo e conversando alegremente, sem notar sua presença em frente à porta. Só foi vista por uma senhora bem velhinha (em contraste com a loja tinindo de nova, recém-inaugurada) que a observava lá de dentro sem dar muita importância, como se visse apenas mais um elemento monótono da paisagem. 

Então, para chamar a atenção, começou a bater na porta e a acenar freneticamente. Ninguém viu. O vidro tornava a realidade do outro lado anos-luz distante do agora. Todos pareciam viver em uma dimensão paralela, como um filme mudo rolando do outro lado do vidro, uma festa sem som da qual ela não participava. 

Passaram mil coisas pela sua cabeça. Tinha chegado atrasada, obviamente, e ficou trancada por fora. Ninguém queria saber de mais gente lá dentro. Ou aquelas pessoas eram todas convidadas VIP. A porta continuava trancada, assim como a sua percepção da realidade. Depois de muito tempo e esforço para se fazer notada e quase desistindo, se deu conta de que havia outra porta, muito maior, na lateral do recinto. Estava aberta, sem impedimentos, o que não havia notado porque passou muito tempo olhando para a outra porta, trancada. Embora o vidro fosse transparente, sua percepção continuava turva.


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