quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Madrugada

O céu da madrugada é único. Tem uma cor peculiar, só dele. Um tom mais intenso, mais profundo, que te absorve só de olhar pra ele. Os morros, tão altos que seus limites e ondulações recortam o escuro do céu. Dessa forma, as estrelas parecem andar sobre o topo das montanhas. Isso tudo ela pensava no banco do passageiro, enquanto o carro rodava pela estrada. Passava das duas da madrugada e o casal estava cansado. Haviam assistido a um filme chato demais e ele dirigia sonolento. Ela, entretanto, prestava atenção ao céu da madrugada. Tão misterioso e obscuro! Como a envolvia, aquele céu! Emanava um silêncio místico, daqueles que só as altas horas da noite têm. O motor do automóvel quase nem fazia barulho, fazendo com que ela se sentisse flutuar sobre a estrada.

Uma luz branca e intensa invadia sua visão de vez em quando. Provinha de holofotes instalados no canteiro de obras ao longo do acostamento. Tudo aquilo parecia irreal. Como era possível fazer tanto silêncio numa estrada? Ela não percebia, mas o silêncio não era da estrada. Pairava dentro do carro e, sobretudo dentro de si. Ela não trocava palavras com o homem ao lado e nessas horas se perguntava o que fazia ali, com ele. As coisas já não eram as mesmas e há muito não havia mais sentimento. Ela não deveria estar com ele.


O céu noturno, os morros e as estrelas eram cúmplices desse erro. Que ela cometia pela terceira vez. Mas quem se importava com erros quando havia uma madrugada para se contemplar? E ela se sentia tão absorvida pelos contornos da noite que parecia estar em outra dimensão. Virou pro lado e perguntou ao homem: “quando você está na estrada assim, de madrugada, não tem a impressão de estar em outro mundo, outra dimensão?”. Ele a olhou como se fosse louca, riu e respondeu: “Não!”


Não. Ele não sabia enxergar. Mas ela via bem: não deveria estar com ele. Precisava abandonar aquela estrada.

(Imagem retirada do Google)

6 perdidos por aqui:

Rodrigo Cavaleiro disse...

Reflexões noturnas, sim a voltar à casa é um ótimo momento para repensar... Gosto da noite, gosto de estradas, gosto de carros, mas a atenção seria só para quem estivesse ao lado.

Diferencio os momentos, que mesmo que "pequenos, breves e ligeiros", fazem de mim um ser "completo", feliz...

Ah saudade, quando eu tinha um carro e variava as centenas de quilometros por hora, pela estrada, só para distrair, só, eu iluminado pelos corpos celestes...

Ah saudade, daquela menina magra que fascina-me com um sorriso...
E o pensamento dela certamente era o mesmo do seu... mas eu queria comigo...

Ivana disse...

Quando o silêncio se torna constrangedor entre duas pessoas, é hora de abandonar a estrada. Um abraço!

Anônimo disse...

Oi Karina,

Que lindo...!! Parabéns querida, por tão belas verdades...!!

Beijos,
Ana Lúcia.

angela disse...

Bonito texto, gostei da imagem das estrelas caminhando nos morros. Os silencios cheios de palavras e signifcados são mortais.
beijos

[Manú] disse...

Quantas vezes isso não acontece com a gente não?A pessoa do nosso lado alí à mão e a gente pensando em mil maneiras de se chegar à Marte? A pessoa falando de futebol e a gente pensando em ler Godot...Quando o amor acaba,tudo perde o sentido,a forma,a vez.

Beijos!

P.S: Adorei o novo layout!

[Manú] disse...

Tem um meme pra vc lá no meu blog! beijos!

 
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