domingo, 3 de janeiro de 2010

O vestido

Era noite de festa. O vestido que ela usava era azul-escuro como o início da noite, e muito mais profundo que o azul-claro dos olhos do homem que dançava despreocupado em outro canto do salão. Cheio de camadas e pesado. O vestido, não o homem. E chegava a ser um problema, porque ninguém, naquele salão, estava com um vestido daquele estilo. Ninguém. Todos usavam roupas mais leves e confortáveis, enquanto ela se sentia presa em sua armadura azul, da qual não podia sair. Chamava demais a atenção dos convidados, e todos a olhavam e perguntavam: “você vai dançar a valsa?” Sim, ela pensou. Mas não haveria valsa, e isso ela descobriu só depois que entrou no salão. Levou um choque. Todos dançavam outra música, o que aquele vestido imenso tornaria difícil. Talvez ela mesma não quisesse dançar a mesma música que os outros, cansou-se disso.

Então sentou para esperar o homem dos olhos azuis, que não veio. Apareceu outro, um desconhecido que sentou ao seu lado e a convidou para dançar um estilo de música diferente. Mas ela fingiu não ouvir. Estava preocupada demais em não se tornar o foco dos olhares, o que já havia acontecido. E tudo por estar usando aquele vestido azul. Aquele com os detalhes em prata, que ela escolheu cuidadosamente na loja pra dançar a valsa. Que valsa? A que ela havia dançado tantas vezes em seus sonhos, de certo. Mas aquilo que ela vivia agora era um pesadelo. Sentia-se deslocada, no lugar certo com o traje errado. E tudo o que queria era apenas que alguém dançasse a mesma música que ela.

8 perdidos por aqui:

Rodrigo Cavaleiro disse...

Por vezes, sinto-me destacado! [Obviamente sem vestido!]
Não sou e nem fico confortável, também não atraio olhares, sigo invisível a quase tudo... quase sempre fechado em mim...

Identifiquei-me também num momento com o desconhecido, o outro, que talvez não sentia-se bem por ser comum... Parece-me que é normal a alguns homens procurarem força e renovação em outros corpos [FEMININOS!]... ainda que não possamos mudar as expectativas da moça perdida, ainda que não nos dê oportunidade...

'piadinha sarcástica, por isso gosto de música eletrônica, dance como quiser, será aceita e bem vinda...'

Obrigado pelo post, meu comentário não reflete o que compreendi!
Beijo suave, molhado, no pé!

angela disse...

Que mulher já não passou por isso?
Arrumada demais, arrumada de menos, essa maldita sensação de estar fora de lugar e na realidade a unica coisa que esta fora de lugar é este sentimento.
Muito boa história.
Um feliz 2010
beijos

Clara Sousa disse...

Gostei do texto é uma situação onde qze todo mundo já passou como disse a colega ai de cima: Angela.
mas acredito que sempre iremos passar por situações assim ...
um feliz ano novo Karina muita paz e saude menina !!
beijo grande !!

Anônimo disse...

Oi Karina,

Que delícia de texto... Adorei!!

Quantos sonhos costumamos fazer, ter e, de repente, descobrimos que não era bem assim ou que não é hora e lugar dele virar realidade. Sentimos meio deslocadas nessas horas, contudo, é apenas questão de tempo e oportunidade para que tudo se resolva.

Beijos,
Ana Lúcia.

[Manú] disse...

Ah as danças que a vida nos impõe e que nem sempre estamos preparados para dançar! Ah as aventuras cotidianas do viver, a música nem sempre esperada, o vestido azul que as vezes não condiz com o que estamos vivendo. a vida é isso menina! Situações! Vivencias! Sopros! Só nos resta viver! Um beijo doce.Feliz 2010!

Erika disse...

Que texto lindo! Curto, simples e lindo! Encarando o vestido azul como uma metáfora, confesso que muitas vezes já me senti usando um desses! rs

Mariana disse...

Ka, fazia tempo que eu não tinha um tempinho pra passar por aqui.
E quando vim, dei de cara com esse texto maravilhoso!
Quantas vezes não nos sentimos assim, com o "vestido certo" na ocasião errada?
É sempre um prazer ler seus textos, que estão a cada dia melhores!
Saudades de você, menina!
Beijos!

Ivana disse...

Oi Karina,
Quem já não usou um "vestido azul"? Eu gosto muito de crônicas. Um abraço!

 
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